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13 de mai. de 2014

Patrimônio histórico e artístico perdido para o crime

Em março/2010, falamos sobre Como obras de arte chegam aos museus. Quatro anos depois voltamos ao tema, desta vez de forma mais abrangente: como o crime está corroendo o patrimônio histórico, cultural e artístico mundial, principalmente o egípcio. 
Soldados egípcios, no Museu do Cairo, inspecionam tentativa de saque de artefatos do tempo dos faraós [AP/2011]

12/maio/2014

[Cultura/Patrimônio Histórico, Cultural e Artístico Mundial]


Em maio do mesmo ano, no post Museu não guarda só obras de arte, deixamos claro que há muitas peças que chegam clandestinamente aos museus e suas origens são simplesmente ignoradas [fecham os olhos, como se diz por aqui]. 
Agora, o advogado e pesquisador afiliado do Centro Escocês de Crime e Justiça de Pesquisa da Universidade de Glasgow, Tess Davis, em artigo publicado no HuffPost, adverte que o Egito, desde o início da Primavera Árabe, mais que nunca, tem sido vítima de saqueadores, ladrões e contrabandistas. E que o governo vem criando campanhas na tentativa de que o povo colabore na luta contra os saques. 
Davis vai além, estendendo a extorsão cultural ou cultura do tráfico para todo o globo. Afirma que o mercado negro vem destruindo parte da história da humanidade e que, assustadoramente, tais crimes vêm sustentando insurgentes e terroristas. O perigo já chegou à Líbia, Síria e Tunísia. Destino final dos artefatos? Estados Unidos da América. 
Mais de mil objetos foram roubados ou saqueados Museu Mallawi, 
em Minia, no Egito, 190 milhas ao norte de Cairo ao longo do rio Nilo

Responsabilidade norte-americana

É preciso lembrar que os EUA, há muito, são os grandes receptores do contrabando do patrimônio histórico, cultural e artístico global – como um dia o foi a Europa. E sobre essas extorsões culturais têm grande parcela de responsabilidade [primemos pela honestidade: os norte-americanos atualmente têm inteira responsabilidade pela atual situação]. Sem contar que a América do Norte e o Reino Unido não assinaram a Convenção para a Proteção da Propriedade Cultural em Conflitos Armados [1954]. 
Sem muito esforço, basta lembrarmos os conflitos no Afeganistão [2001] e no Iraque [2003]. Nos dois países nenhuma preocupação houve em salvaguardar os patrimônios nacionais [muito ao contrário]. 
A guerra não saqueia, não rouba ou faz contrabando de obras culturais ou artísticas, mas na guerra facilita-se o roubo, o saque e o contrabando. Na guerra se destrói a história, a cultura e a arte. 
Ruínas da antiga Babilônia. A Porta de Ishtar, portão de 2.500 anos da Babilônia, foi esmagada por tanques e obviamente danificada. O pátio de Khan al-Raba, antiga hospedaria de caravanas do século 10, foi usado pelos americanos  para explodirem armas capturadas. Uma dessas explosões demoliu os telhados e derrubou muitas das paredes. 
Diário de Noticias [14/4/2003] – clique na imagem para ampliá-la e depois clique sobre ela
Euro Noticias [17/4/2003] – clique na imagem para ampliá-la  e depois clique sobre ela

Invasão Norte-Americana e o Patrimônio Histórico, Cultural e Artístico do Afeganistão

No Afeganistão, não fizeram nenhum movimento para proteger os Budas de Bamiyán [veja: Erro imperdoável - Budas de Bamiyán] destruídos pelo Taliban. 
A pilhagem, ainda que travestida de proteção, foi tão descarada e literal que, dos 4.000 objetos catalogados, 2.500 foram perdidos[?!]. Óbvio que toda a responsabilidade foi jogada sob a túnica do Taliban e o uniforme militar norte-americano saiu ileso [como sempre!]. 
Atualmente uma exposição itinerante com objetos salvos dos Talibans [breve falaremos sobre ela] corre o mundo. 
Destruição dos Budas de Bamiyán 
Objetos em ouro e marfim do Museu Nacional do Afeganistão
escondidos em Cabul sendo embalados para a exposição itinerante

Invasão Norte-Americana e o Patrimônio Histórico, Cultural e Artístico do Iraque

No Iraque, em abril/2003, tropas americanas tomaram o controle da Capital e assistiram de camarote os saqueadores levarem obras das civilizações mais antigas do mundo do Museu Nacional. Fato que foi considerado por muitos como o crime do século. Alguns acreditam que a operação foi previamente planejada, o que configuraria e justificaria a expressão cultura do tráfico. 
Dois dias depois de saqueado o Museu Nacional, a Biblioteca Nacional foi incendiada por saqueadores. Embora um grupo de pesquisadores tenham enviado, à época, ao governo norte-americano e britânico um manifesto solicitando que respeitassem o patrimônio histórico e cultural do país, na semana seguinte simplesmente detonaram uma das universidades mais velhas do mundo árabe, do século 13. 
Membro das Forças Especiais egípcias observa caixa de vidro 
quebrada por saqueadores no Museu do Cairo 
Montagem mostra alguns dos artefatos antes e depois da invasão do Museu do Cairo
Múmias decapitadas durante saque ao Museu do Cairo 
Visão [17/4/2003] – clique na imagem para ampliá-la   e depois clique sobre ela
Expresso [18/4/2003] – clique na imagem para ampliá-la  e depois clique sobre ela

Uma boa dica para quem quizer saber mais sobre os saques realizados no Iraque: visite o Espaço Científico e Cultural.

A realidade da cultura do tráfico

A realidade é tão séria que não só preocupa os arqueólogos, mas governos, criminologistas, a Justiça e os políticos. A situação está a tal ponto descontrolada que o Conselho Europeu de Investigação instituiu um dos mais importantes programas sobre o tema, vinculado ao Centro Escocês de Pesquisa de Crime e Justiça [SCCJR] e não a departamentos de arqueologia, como seria de se esperar. Afinal, pilhagem é crime! 
Sem dúvida, há um mercado legal e próspero para antiguidades, mas nenhuma fonte jurídica. Galerias, casas de leilões, museus e outras instituições equivalentes, têm lá seus critérios que lhes dão certa respeitabilidade e criam em seu entorno uma aura de confiabilidade. No entanto, nos bastidores...
Nos bastidores fecham-se olhos, fala-se a boca miúda e nada se ouve além do zumbido persistente de um silêncio quebrado apenas pelo sussurrar dos negociantes.

O mercado negro de antiguidades

Na verdade, quase nada se sabe sobre o sistema e a extensão do mercado negro de antiguidades. Algumas variáveis dificultam muito esse controle: não há dados oficiais suficientes para um levantamento estatístico; os roubos são registrados de acordo com as circunstâncias e não em relação aos objetos roubados; não há como controlar os saques em sítios arqueológicos, uma vez que muitos são desconhecidos e, mesmo os conhecidos não são todos catalogados. 
Entretanto, pesquisa recente, com 2.500 participantes, espalhados por mais de cem países, constatou-se que 79% dos pesquisados tiveram experiências com saques; 25% encontraram saques em andamento; e, aproximadamente, 50% tiveram experiências não isoladas. Tais dados indicam que a cultura do tráfico, além de mundialmente difundida, é comum e interativa. Países que possuem sítios recém-descobertos ou a descobrir, como o Egito, Camboja, Peru, entre outros, não têm como conter o tráfico. De outro lado, países como os Estados Unidos da América e o Reino Unido não têm vontade política [sejamos honestos, nem financeira, nem econômica, nem nenhuma...].

Recuperação de peças não é a solução

Embora não possa ser considerada uma luz no fim do túnel, algumas peças foram recentemente devolvidas ao Egito. No entanto, nem de longe essa é a solução do problema, ao contrário, é uma vertente do problema. Países sem condições têm que manter equipes destinadas à caça de seu próprio patrimônio. 
A questão é mundial e precisa ser avaliada, pensada e estruturada não só sob o aspecto da preservação, mas também [e principalmente] sob o âmbito econômico e da segurança. 
Apenas a título de exemplo:
a National Gallery of Australia gastou US$5 milhões de dólares em um único artefato indígena flagrantemente saqueado e vendido por um dos mais infames contrabandistas atuais.

Possível solução

No entanto, a solução é tão simples que até parece brincadeira de criança [não fossem os homens o que são]: parar de comprar antiguidades que sejam produtos de roubo ou saque. Indo um pouco mais além, criminalizar, mundialmente, aqueles que comprarem obras sem o devido atestado de procedência. 
Essa é a postura que se espera de galerias, casas de leilões, museus e demais instituições sérias e dignas da responsabilidade que detêm. 
Entretanto, num mundo no qual a Inglaterra detém o poder sobre grande parte dos Mármores de Elgin e a Pedra de Roseta; Vênus de Milo, pertence a França; o busto de Nefertiti é da Alemanha etc. etc. etc. Falta-nos fé. 
O Egito, como o Afeganistão e o Iraque, assim como a Síria, Tunísia e outros, podem se tornar mais uma catástrofe do patrimônio histórico, cultural e artístico mundial. É momento de cuidarmos do que pertence a toda a humanidade.

ABBraços fraternos e
boa semana!

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